Ferrovias: nos trilhos da sustentabilidade – Mundo Melhor

Mesmo com o avanço da tecnologia e com o advento de novos meios de transporte, as ferrovias continuam a ecoar na memória coletiva


Ophelis de A. Françoso Jr.*


As ferrovias têm sido uma parte crucial do tecido de transporte global, oferecendo uma alternativa eficiente e sustentável para o deslocamento de pessoas e mercadorias. Em meio à crescente preocupação com as mudanças climáticas e a necessidade de reduzir as emissões de carbono, as ferrovias emergem como uma solução promissora para promover a sustentabilidade no setor de transporte.

Trens, presentes na Grand Central Terminal, em Nova York: ferrovias continuam ser uma solução promissora para promover a sustentabilidade no setor de transporte (Foto: Ecooar)

As estradas de ferro sempre ocuparam um lugar especial na memória afetiva da população, evocando uma mistura de nostalgia, aventura e conexão com o passado. Por décadas, elas testemunharam momentos marcantes na vida das pessoas e no desenvolvimento das regiões por onde passavam. Para muitos, trens e trilhos representam uma era de romantismo, onde as viagens de trem eram uma experiência única, repleta de paisagens deslumbrantes e encontros inesperados.

Encontros e despedidas

As estações se tornaram pontos de encontros e despedidas, onde histórias de amor começaram e terminaram, e onde famílias se reuniam para receber entes queridos ou partir para novas aventuras. Mesmo com o avanço da tecnologia e com o advento de novos meios de transporte, as ferrovias continuam a ecoar na memória coletiva, lembrando-nos de uma época em que o ritmo da vida era diferente, mais lento e mais conectado com a paisagem e as pessoas ao redor.

Foto mostra ferrovias, dentro de terminal n Europa
As estações sempre foram pontos de encontros e despedidas (Foto: Ophelis de A. Françoso Jr.)

Infelizmente, no entanto, ao menos no Brasil, vivemos uma era de sucateamento das ferrovias, um fenômeno que teve um impacto negativo para o transporte e para a economia do país. Desde meados do século XX, houve uma gradual desativação desse modal, em grande parte devido à proliferação das rodovias e dos transportes individuais, e à falta de investimentos em modernização e manutenção. Esse processo resultou na perda de uma valiosa e eficiente infraestrutura, que poderia oferecer uma alternativa sustentável ao transporte rodoviário.

Ferrovias no Brasil e no mundo

Hoje o Brasil possui cerca de 30 mil km de ferrovia – pouquíssimo se comparado aos 294 mil km dos Estados Unidos, aos 211 mil km da União Europeia, aos 142 mil km da China, ou ainda aos 109 mil km da Índia. E o pior, dados da Agencia Nacional de Transportes Terrestres dão conta que, de toda a nossa malha, apenas 62% encontra-se em condições de tráfego.

As demais encontram-se totalmente ociosas (24%) ou sem condições de tráfego (14%), o que reduz sua utilidade a pouco mais de 19 mil km. Se compararmos a extensão das ferrovias às áreas dos países ou blocos (em km de trilhos/mil km2) teremos os campeões: União Europeia (49,86); Índia (33,04); Estados Unidos (29,36) e África do Sul (19,90). Considerando-se a extensão útil da malha, o Brasil aparece bem atrás, com meros 2,24, menor até do que o índice argentino, de 6,47.

Imagem mostra trem sucateado em ferrovia brasileira
Locomotiva abandonada em Jundiaí, estação que fazia parte do modal ferroviário paulista (Foto: Floriano Marcondes Machado)

A escassez de investimentos nas ferrovias brasileiras também contribuiu para a sobrecarga das estradas, aumentando os custos logísticos e a emissão de poluentes. Além disso, a falta do transporte ferroviário afetou negativamente a economia, especialmente em setores sensivelmente dependentes de eficiência logística, como agricultura e indústria.

Portanto, investir na restauração e modernização das ferrovias brasileiras seria crucial para promover a sustentabilidade, reduzir os impactos ambientais e melhorar a eficiência do transporte de cargas e de passageiros. Vejamos alguns benefícios decorrentes dessas políticas.

Eficiência das ferrovias

As ferrovias destacam-se pela sua eficiência energética. Comparadas aos veículos individuais, as locomotivas são significativamente mais econômicas no uso de combustível, transportando grandes volumes de carga ou passageiros com menor consumo de energia por pessoa ou por unidade de carga. Isso não apenas reduz as emissões de gases de efeito estufa, mas também ajuda a minimizar a poluição do ar e a dependência de combustíveis fósseis, ainda mais se for usada a propulsão elétrica.

Foto mostra trem em uma das ferrovias no Brasil
As ferrovias diminuem o tráfego de caminhões nas estradas e nos centros urbanos (Foto: Divulgação)

Elas também desempenham um papel crucial na redução do congestionamento rodoviário. Ao mover cargas pesadas por longas distâncias por meio de trilhos, os trens aliviam a pressão sobre as estradas, reduzindo o tempo de viagem e os engarrafamentos. Além de melhorar a eficiência do transporte, também reduzem a velocidade de expansão da infraestrutura rodoviária, preservando ecossistemas naturais e áreas urbanas.

Foto mostra trem ao lado de rodovia
Um trem, composto por 100 vagões, pode substituir 357 caminhões (Foto: Divulgação)

É fundamental destacar que os vagões de carga possuem uma capacidade de transporte significativamente maior, reduzindo o tráfego de caminhões nas estradas e nos centros urbanos. Enquanto um caminhão carrega cerca de 28 toneladas, um único vagão pode transportar até 100 toneladas. Isso significa que cada vagão equivale a quase quatro caminhões. Na prática, um trem, composto por 100 vagões, pode substituir 357 caminhões, resultando em menor desgaste das vias, redução de congestionamentos e emissões de poluentes, além de otimizar a logística.

Uma inovação revolucionária é a fabricação de um vagão especial capaz de capturar dióxido de carbono quando em movimento. Desenvolvido pela empresa CO2Rail, esse vagão utiliza uma tecnologia de captura do CO2 do ambiente. Esse novo vagão aproveita a energia de frenagem para remover 3 mil toneladas de dióxido de carbono do ar por ano.

Imagem mostra trem da CO2Rail
Cada frenagem completa do vagão gera energia suficiente para remover mais de 1,5 toneladas de dióxido de carbono do ar (Fonte e imagem: CO2Rail)

Outro aspecto importante é a capacidade das ferrovias de promover o desenvolvimento sustentável em áreas urbanas e rurais. As conectar as comunidades, elas facilitam o acesso a oportunidades de emprego, educação e serviços de saúde, além de reduzir a segregação socioeconômica e promover a coesão social. Ademais, as ferrovias costumam revitalizar áreas nas proximidades, incentivando a reutilização de terrenos abandonados e promovendo o desenvolvimento sustentável.

Qualidade e facilidades para os passageiros

O transporte sobre trilhos também oferece uma alternativa ambientalmente amigável para viagens de longa distância. Com trens de alta velocidade, cada vez mais comuns em várias partes do mundo, a população conta com a opção de viajar rápida e confortavelmente, sem os impactos negativos das viagens aéreas, como emissões de gás carbônico e poluição sonora.

As ferrovias do Velho Continente sempre foram reconhecidas e invejadas pela alta qualidade (Foto: Ophelis de A. Françoso Jr.)

Essa modalidade de transporte, inequivocamente relevante, já é rotina em países comunidade europeia e asiáticos, onde as viagens aéreas podem ser substituídas por viagens ferroviárias mais sustentáveis. Por sinal, as ferrovias do Velho Continente sempre foram reconhecidas e invejadas pela alta qualidade, oferecendo infraestrutura moderna, pontualidade, conforto e altos padrões de segurança.

Com uma extensa rede ferroviária constantemente modernizada, elas garantem uma experiência de viagem eficiente e agradável, com horários precisos, frequência adequada, serviços de qualidade e facilidades para os passageiros.

Foto mostra interior de trem na ferrovia europeia
Horários precisos, frequência adequada, serviços de qualidade e facilidades para os passageiros são as principais características das ferrovias europeias (Foto: Ophelis de A. Françoso Jr.)

A avançada tecnologia empregada na malha ferroviária e os rigorosos procedimentos de segurança contribuem para tornar viagens de trem na Europa uma opção popular e confiável, que gera divisas incomensuráveis e perfeitamente integradas à cadeia do turismo. Embora, no Brasil, estejamos em meio a uma retomada modernizante, esse movimento atinge somente o modal de cargas, com pouca expressão no transporte de passageiros.

Ferrovias brasileiras

A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários dá conta de que passamos de 1.154 locomotivas em 1997, para 3.100 em 2022; e de 43.816 vagões para 112.640 no mesmo período. Outra boa notícia é fabricação de vagões ecológicos para cargas, cuja caixaria é confeccionada a partir de plástico reciclado de alta densidade retirado dos lixões.

Mesmo com essas modernizações, as ferrovias brasileiras ainda enfrentam desafios significativos, principalmente no transporte de passageiros, como a necessidade de investimentos em infraestrutura e manutenção. Além disso, a competição por verbas com outros modais, como os transportes rodoviário e aéreo, muitas vezes dificulta a expansão e a adoção generalizada das ferrovias talvez por falta de visão dos governantes e pressão dos poderosos lobbies das indústrias veicular e asfáltica que temem uma suposta competição, na verdade uma complementariedade.

Foto mostra ferrovias Trem da Serra Paranaense
Além de belas paisagens, as ferrovias geram divisas turísticas e oferecem uma alternativa ambientalmente amigável para viagens de longa distância (Foto: Trem da Serra Paranaense/Divulgação)

Portanto, é fundamental que os governos, empresas e sociedade em geral retomem as ferrovias como uma ferramenta essencial para promover a sustentabilidade e desloquem parte dos investimentos na melhoria e na expansão dessa malha.

Como podemos ver, as ferrovias desempenham um papel vital na sustentabilidade do setor de transportes. Por meio da eficiência energética, da redução do congestionamento rodoviário, elas geram divisas turísticas e oferecem uma alternativa ambientalmente amigável para viagens de longa distância. Constituem, em si, um caminho próprio, não somente para pessoas, cargas e sonhos, mas também em direção a um futuro mais sustentável e resiliente.


Este artigo, escrito mediante convite da Ecooar Biodiversidade, foi inspirado no interesse ferroviário do casal Floriano Marcondes Machado e Maria Alice Junqueira Bastos (www.oespacopublico.com.br). Uma homenagem, para celebrar a longa e sólida amizade.


*Ophelis de A. Françoso Jr. (ophelis@alumni.usp.br)
Biólogo, mestre e doutor pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Bolsista da Capes na Universidade da Califórnia campus de Santa Bárbara. Ex-professor em diversas instituições de ensino superior e editor executivo de livros científicos e educacionais.


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